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Ética: Patrimônio Coletivo
Publicado em Sun Feb 12 13:28:00 UTC 2006 - Edição 384
Em toda crise, existe um potencial de novas possibilidades de pensar, de agir e de mudar. A atual crise política brasileira nos convoca a promover mudanças que incluam o respeito aos princípios éticos, os quais não faltam apenas no exercício da atividade política. Esse problema tem raízes nos conceitos e valores inscritos no tecido social contemporâneo, acrescidos das particularidades de cada cultura. O nosso jeitinho brasileiro, por exemplo — sinônimo de licença à corrupção e ao desrespeito às leis —, impregna historicamente práticas antiéticas consolidadas em todas as esferas da vida: pessoal, profissional e social.
Hoje, o sentido da vida, a relação com o outro, o compromisso com o que se faz não estão mais atrelados ao laço social, antes ancorado na tradição e nas regras impessoais que norteavam os vínculos com as instituições, com o trabalho e com os ideais. Tudo funciona como se fosse possível diluir os interesses coletivos em favor dos privilégios particulares e dos espetáculos encenados para dar realce à individualidade e à celebridade.
A busca do desenvolvimento pessoal, voltada para os ideais que atribuíam valor às qualidades morais, às conquistas resultantes do investimento intelectual, político e ideológico, dirigem-se agora à aparência física: beleza, boa forma e saúde. Manter-se jovem e saudável é sinal de estar no caminho do prazer e da felicidade. Nesse contexto, emerge o conceito de qualidade de vida — satisfação pessoal —, cuja pretensão é substituir a relevância da noção de coletividade e de cidadania.
Dito de modo muito breve, a relação do homem com o mundo e o seu processo de reconhecimento não estão sendo validados pelo que a pessoa é ou faz, como aconteceu durante séculos na história ocidental. Agora, funcionam como ideais a imagem que embala o corpo e os objetos que podem ser ostentados.
O uso do poder da mídia é fundamental para essa visão de mundo. A subjetividade referida prioritariamente ao corpo é realimentada por peças publicitárias que realçam cosméticos, avanços farmacêuticos, produtos que garantem a modelagem e a perfeição da aparência física. A mídia reforça e mantém a moral do espetáculo ao transformar a imagem em fonte da satisfação. Em lugar secundário, colocam-se a relação com o outro e os vínculos afetivos, por não serem mais considerados condições para a pessoa se sentir bem.
Pode parecer estranho, mas tudo isso tem a ver com o silêncio daqueles que ocupam o lugar de autoridade na transmissão dos valores éticos e morais, que não podem ser desvinculados da História e da tradição. Segundo Jurandir Freire, reconhecemos o que é o bem porque nos foram transmitidas crenças sobre sua natureza por aqueles que têm autoridade. Mas as vozes que nos transmitiam valores relacionados à lealdade, à família, ao trabalho, ao respeito ao outro e à vida social foram silenciadas pelo estardalhaço da moda e dos mitos científicos.
Ciência e moda se alimentam da mesma fonte: irrelevância do que passou. Ambas projetam no futuro o envelhecimento do presente. Encolhida entre as duas, a autoridade míngua por ser fundada na História, e História não prescinde da prova do tempo. Por essa razão, a autoridade cedeu lugar à celebridade. Sempre provisória, a celebridade tem como representantes aqueles que sabem aliar moda com tecnologia a serviço da moral do entretenimento, porque seu compromisso é com o momentâneo. Na cultura, sua sobrevida é determinada pela capacidade de fazer uso da cadeia de entretenimento até que sua destituição ocorra por critérios mercadológicos. Por isso, não transmitem valores: ensinam receitas e revelam segredos do sucesso.
A transmissão — ou o uso ético do poder e do saber — não se faz por imposição de modelos a serem reproduzidos nem por assassinato das idéias ou proposta que venham a obstruir a singularidade e as possibilidades de mudança.
Os valores éticos compõem um patrimônio coletivo. Fixam um núcleo de referência. Estabelecem um norte que impede a desorientação em todas as esferas da relação do homem com o mundo. Na esfera profissional, especialmente, preservá-los ou não significa a força ou fraqueza de uma sociedade.
Hoje, o sentido da vida, a relação com o outro, o compromisso com o que se faz não estão mais atrelados ao laço social, antes ancorado na tradição e nas regras impessoais que norteavam os vínculos com as instituições, com o trabalho e com os ideais. Tudo funciona como se fosse possível diluir os interesses coletivos em favor dos privilégios particulares e dos espetáculos encenados para dar realce à individualidade e à celebridade.
A busca do desenvolvimento pessoal, voltada para os ideais que atribuíam valor às qualidades morais, às conquistas resultantes do investimento intelectual, político e ideológico, dirigem-se agora à aparência física: beleza, boa forma e saúde. Manter-se jovem e saudável é sinal de estar no caminho do prazer e da felicidade. Nesse contexto, emerge o conceito de qualidade de vida — satisfação pessoal —, cuja pretensão é substituir a relevância da noção de coletividade e de cidadania.
Dito de modo muito breve, a relação do homem com o mundo e o seu processo de reconhecimento não estão sendo validados pelo que a pessoa é ou faz, como aconteceu durante séculos na história ocidental. Agora, funcionam como ideais a imagem que embala o corpo e os objetos que podem ser ostentados.
O uso do poder da mídia é fundamental para essa visão de mundo. A subjetividade referida prioritariamente ao corpo é realimentada por peças publicitárias que realçam cosméticos, avanços farmacêuticos, produtos que garantem a modelagem e a perfeição da aparência física. A mídia reforça e mantém a moral do espetáculo ao transformar a imagem em fonte da satisfação. Em lugar secundário, colocam-se a relação com o outro e os vínculos afetivos, por não serem mais considerados condições para a pessoa se sentir bem.
Pode parecer estranho, mas tudo isso tem a ver com o silêncio daqueles que ocupam o lugar de autoridade na transmissão dos valores éticos e morais, que não podem ser desvinculados da História e da tradição. Segundo Jurandir Freire, reconhecemos o que é o bem porque nos foram transmitidas crenças sobre sua natureza por aqueles que têm autoridade. Mas as vozes que nos transmitiam valores relacionados à lealdade, à família, ao trabalho, ao respeito ao outro e à vida social foram silenciadas pelo estardalhaço da moda e dos mitos científicos.
Ciência e moda se alimentam da mesma fonte: irrelevância do que passou. Ambas projetam no futuro o envelhecimento do presente. Encolhida entre as duas, a autoridade míngua por ser fundada na História, e História não prescinde da prova do tempo. Por essa razão, a autoridade cedeu lugar à celebridade. Sempre provisória, a celebridade tem como representantes aqueles que sabem aliar moda com tecnologia a serviço da moral do entretenimento, porque seu compromisso é com o momentâneo. Na cultura, sua sobrevida é determinada pela capacidade de fazer uso da cadeia de entretenimento até que sua destituição ocorra por critérios mercadológicos. Por isso, não transmitem valores: ensinam receitas e revelam segredos do sucesso.
A transmissão — ou o uso ético do poder e do saber — não se faz por imposição de modelos a serem reproduzidos nem por assassinato das idéias ou proposta que venham a obstruir a singularidade e as possibilidades de mudança.
Os valores éticos compõem um patrimônio coletivo. Fixam um núcleo de referência. Estabelecem um norte que impede a desorientação em todas as esferas da relação do homem com o mundo. Na esfera profissional, especialmente, preservá-los ou não significa a força ou fraqueza de uma sociedade.