Capital mais antiga do Brasil, o Recife está à beira do colapso urbano. Maltratada, com sérios problemas de mobilidade, centro abandonado, calçadas intransitáveis e patrimônio público degradado, a cidade está prestes a perder a sua “alma”, tornando-se igual a qualquer outra cidade ruim, sem personalidade própria. Mas é possível desviar do rumo do abismo e desenhar, a tempo, um projeto de longo prazo para que o Recife chegue aos seus 500 anos, em 2037, como uma cidade sustentável.
O diagnóstico e a proposta de intervenção urbana foram apresentados pelo consultor Francisco Cunha, sócio-diretor da TGI, na reunião mensal da Rede Gestão, no Pátio Cozinha e Café. O projeto Recife 500 Anos, resultado da contribuição de um conjunto de profissionais e entidades, é um desdobramento da campanha O Recife Que Precisamos, coordenada pelo Observatório do Recife, e traz sugestões concretas para traçar um planejamento de longo prazo para os próximos 25 anos, recuperando a cidade e tratando seus problemas de forma integrada a partir de um projeto de futuro.
“O Recife não tem uma estratégia própria, não sabe aonde quer chegar e, assim, se torna resultado da estratégia de inúmeros outros atores”, assinalou Francisco. “É absolutamente essencial retomar a capacidade de planejamento de longo prazo, pensando a cidade como um todo, e não a partir de ações retalhadas”, defendeu. Para o consultor, o Rio Capibaribe tem um papel essencial nesse planejamento, atuando como o eixo principal de articulação da cidade nesta que talvez seja a última oportunidade de definir um projeto de integração urbana para o Recife.
Uma proposta concreta, viável e inovadora foi dada por arquitetos de Amsterdã, na Holanda, cidade que tem uma estrutura física bastante semelhante à do Recife. Há cerca de três anos, a convite do Conselho de Arquitetura e Urbanismo de Pernambuco, eles se debruçaram sobre a cidade para preparar uma exposição e um workshop dentro da programação do Brasil na Holanda. “O resultado desse trabalho foi surpreendente”, diz Francisco Cunha. “O projeto traçado pelos holandeses é uma inestimável contribuição para o planejamento urbano do Recife, uma nova forma de pensar a cidade, integrando todo o território a partir de sua malha hídrica — rios, córregos, bacias e canais.”
Ao estudarem o mapa, os arquitetos observaram que a malha hídrica permeava todo o Recife, formando em seu contorno a imagem de uma árvore. Embora tenha sido fortemente alterada e esteja em péssimo estado em alguns pontos, a estrutura hídrica perpassa todo o território, interliga as áreas e tem profunda conexão com as ocupações espaciais. A proposta dos holandeses, detalhada tecnicamente, é resgatar essa vocação e o potencial das águas como eixo integrador da cidade.
Eles propuseram uma analogia entre cada elemento da árvore (folhas, flores, frutos, ramos, galhos, tronco e raízes) e a estrutura da cidade (pessoas, canais, córregos, rios, estuários, bacias e praias). A visão de cidade-água poderia resultar em vários projetos que, articulados, seriam capazes de reestruturar o Recife a partir dessa lógica de integração.
Três grandes bolsões verdes — o Parque de Apipucos/Dois Irmãos, o Parque Brennand e o Parque dos Manguezais — seriam as portas de entrada para esse sistema. Juntamente com outras intervenções e ações de requalificação, como a criação de pockets parks (parques de bolso) em diversos bairros; pequenos parques contornando os filamentos de água; tratamento das bordas de córregos e canais para uso de lazer; instalação de ciclovias; recuperação do Rio Capibaribe, o conceito da árvore de água resultaria em uma cidade integrada pelas águas, com mais mobilidade, melhor qualidade de vida para a população e mais preparo para enfrentar as mudanças climáticas. Além disso, o Recife teria, finalmente, uma visão macro que nortearia as demais estratégias, ações e intervenções, tanto públicas como privadas.
“Não precisamos partir do zero para planejar o Recife 500 anos”, destacou o consultor. “Temos um projeto consistente e viável para que o Recife caminhe na direção de ser uma cidade economicamente pujante, socialmente justa, ambientalmente equilibrada e, sobretudo, espacialmente planejada em 2037”. Francisco Cunha encerrou a apresentação na Rede Gestão com uma frase do escritor Victor Hugo: Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.