Veja por autor
500 anos de autoritarismo
Publicado em Sun Apr 23 17:51:00 UTC 2000 - Edição 83
No momento em que se comemoram os 500 anos do Brasil, vale a pena uma reflexão que tem implicações muito importantes para o nosso futuro. Apesar de todas as mudanças e avanços que tivemos e estamos fazendo, o País ainda abriga uma das sociedades mais autoritárias do planeta.
Não nos apercebemos bem disso porque estamos "mergulhados" demais na realidade (já se disse que se alguém descobriu a água certamente não foi o peixe...). Todavia, um rápido olhar para o passado mostra uma trajetória carregada: 300 anos de colônia, 400 anos de escravatura e 500 anos de autoritarismo. Uma trajetória que ilustra muito bem a célebre frase do dramaturgo Nelson Rodrigues: "Subdesenvolvimento não se improvisa, é uma obra de séculos".
De fato, essa obra secular expressa-se no presente de forma dramática. Apenas um detalhe ilustrativo: é muito raro as pessoas pedirem "por favor", seja no trabalho, seja na vida social ou familiar. O tempo de verbo mais usado entre nós é o imperativo: "faça" isso, "traga" aquilo, "me dê" tal coisa, etc.
Conseqüência: uns "mandam" e os outros (a maioria) fazem que obedecem, já que ninguém é trouxa para ficar na posição de "capacho", sem esboçar alguma reação. O sujeito pode não dizer nada, mas arranja um jeito de "se vingar" do tratamento recebido. Resultado: para cada "ordem" dada de forma autoritária, existe pelo menos uma ação truncada, malfeita, atrasada, negligenciada; alguma coisa quebrada, perdida, desprezada.
Na verdade, o ditado popular deveria ser mudado para: "Manda quem acha que pode, faz que obedece quem não quer expressar discordância", embora aja, fazendo errado ou deixando de fazer. O resultado desse pacto medíocre é que produz o atraso, o desperdício, o subdesenvolvimento mais arraigado. Trata-se de um "consórcio" que poderia muito bem se chamar "Autoritários & Submissos S/A", de uma produtividade péssima. Embora não possa ser medido, este deve ser, com certeza, o principal componente do Custo Brasil, o índice teórico do desperdício nacional.
Como desatar esse nó cego? Como sair desse impasse paralisante? Só tem um jeito: desenvolvendo a autonomia, a capacidade de questionar produtivamente, de fazer o que precisa ser feito, sem que se tenha que "mandar" ou dizer "como" fazer. É claro que isso exige uma paciência infinita, principalmente porque as pessoas, de tão acostumadas com o modo de funcionamento tradicional, vão reagir surpresas, imaginando: "o que é que vai sobrar para mim desta vez?".
Desenvolver a autonomia, o espírito empreendedor, a capacidade de tomar decisões acertadas e de avançar não são coisas fáceis de fazer. Mas são, simplesmente, essenciais para o futuro do País e das nossas organizações e empresas. Aqueles que têm responsabilidade gerencial e discernimento são os principais responsáveis por isso. Uma boa forma de começar é, antes de simplesmente "mandar" fazer uma coisa, perguntar a opinião da pessoa, estabelecer acordos sobre "o que" deve ser feito e deixar o "como" mais por conta de quem vai fazer. É custoso, mas deve ser começado logo. Afinal, o País, as organizações e as pessoas merecem coisa melhor e, por razões óbvias, não dá para esperar mais 500 anos.
Não nos apercebemos bem disso porque estamos "mergulhados" demais na realidade (já se disse que se alguém descobriu a água certamente não foi o peixe...). Todavia, um rápido olhar para o passado mostra uma trajetória carregada: 300 anos de colônia, 400 anos de escravatura e 500 anos de autoritarismo. Uma trajetória que ilustra muito bem a célebre frase do dramaturgo Nelson Rodrigues: "Subdesenvolvimento não se improvisa, é uma obra de séculos".
De fato, essa obra secular expressa-se no presente de forma dramática. Apenas um detalhe ilustrativo: é muito raro as pessoas pedirem "por favor", seja no trabalho, seja na vida social ou familiar. O tempo de verbo mais usado entre nós é o imperativo: "faça" isso, "traga" aquilo, "me dê" tal coisa, etc.
Conseqüência: uns "mandam" e os outros (a maioria) fazem que obedecem, já que ninguém é trouxa para ficar na posição de "capacho", sem esboçar alguma reação. O sujeito pode não dizer nada, mas arranja um jeito de "se vingar" do tratamento recebido. Resultado: para cada "ordem" dada de forma autoritária, existe pelo menos uma ação truncada, malfeita, atrasada, negligenciada; alguma coisa quebrada, perdida, desprezada.
Na verdade, o ditado popular deveria ser mudado para: "Manda quem acha que pode, faz que obedece quem não quer expressar discordância", embora aja, fazendo errado ou deixando de fazer. O resultado desse pacto medíocre é que produz o atraso, o desperdício, o subdesenvolvimento mais arraigado. Trata-se de um "consórcio" que poderia muito bem se chamar "Autoritários & Submissos S/A", de uma produtividade péssima. Embora não possa ser medido, este deve ser, com certeza, o principal componente do Custo Brasil, o índice teórico do desperdício nacional.
Como desatar esse nó cego? Como sair desse impasse paralisante? Só tem um jeito: desenvolvendo a autonomia, a capacidade de questionar produtivamente, de fazer o que precisa ser feito, sem que se tenha que "mandar" ou dizer "como" fazer. É claro que isso exige uma paciência infinita, principalmente porque as pessoas, de tão acostumadas com o modo de funcionamento tradicional, vão reagir surpresas, imaginando: "o que é que vai sobrar para mim desta vez?".
Desenvolver a autonomia, o espírito empreendedor, a capacidade de tomar decisões acertadas e de avançar não são coisas fáceis de fazer. Mas são, simplesmente, essenciais para o futuro do País e das nossas organizações e empresas. Aqueles que têm responsabilidade gerencial e discernimento são os principais responsáveis por isso. Uma boa forma de começar é, antes de simplesmente "mandar" fazer uma coisa, perguntar a opinião da pessoa, estabelecer acordos sobre "o que" deve ser feito e deixar o "como" mais por conta de quem vai fazer. É custoso, mas deve ser começado logo. Afinal, o País, as organizações e as pessoas merecem coisa melhor e, por razões óbvias, não dá para esperar mais 500 anos.