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Mudança de Era ou de Gestão na Igreja?

A pressa, o vazio e as relações líquidas que marcam a sociedade pós-moderna e afetam o Evangelho podem estar entre as causas da surpreendente renúncia papal.
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Publicado em Sat Mar 02 19:31:00 UTC 2013 - Edição 752

Quando o último papa antes de Bento XVI renunciou — Gregório XII, em 1415 —, o mundo vivia a passagem da Era Feudal para a Era Moderna. Começava a Renascença, época com vários sinais de mudança. A racionalidade imposta pelo paradigma científico começou a fazer frente ao pensamento dogmático da Igreja; havia o advento das grandes navegações e a descoberta de novos continentes, a criação da bússola e da imprensa; Galileu descobria que a Terra girava em torno do Sol, a Reforma Protestante era iniciada, com Calvino e Lutero revolucionando o cristianismo; os muçulmanos invadiam Constantinopla, forçando uma reviravolta nas relações comerciais, entre outros.

Chegando à Era Moderna, o mundo foi passando do capitalismo mercantil para o industrial, e do industrial para o capitalismo da informação. Da ideia de socialismo passamos para o conceito de desenvolvimento sustentável, sem o “quê” artificial do socialismo real, que ficou para trás. Nas comunicações, a era é da rapidez, da informática, da internet, do celular, da convergência de mídias. 
 
O mundo mudou e muitíssimo entre as duas renúncias papais, mas, atualmente, também vivemos sinais de uma mudança de eras: da Moderna chegamos à Pós-Modernidade. Quem melhor está caracterizando esse fenômeno é o filósofo polonês Zygmunt Bauman, com seu conceito de modernidade líquida: “[...] uma forma de vivenciar a passagem do tempo que não é nem cíclica e nem linear, um tempo sem seta, sem direção, dissipado numa infinidade de momentos, cada um deles episódico”.
 
Prossegue Bauman: “Na sociedade contemporânea, somos treinados desde a infância a viver com pressa. O mundo, como somos induzidos a acreditar, tornou-se um contêiner sem fundo de coisas a serem consumidas e aproveitadas. A arte de viver consiste em esticar o tempo além do limite para encaixar a maior quantidade possível de sensações excitantes no nosso dia a dia. A pressa — e o vazio — é fruto disso, das oportunidades que não podemos perder. Elas são infinitas se acreditamos nelas” (entrevista ao O Globo em 26/04/2009). 
 
É nesse contexto que Bento XVI deixa o papado, dizendo explicitamente no seu discurso de renúncia: “No mundo de hoje, sujeito a mudanças tão rápidas e abalado por questões de profunda relevância para a vida da fé, para governar a barca de São Pedro e proclamar o Evangelho, é necessário tanto força da mente como do corpo”.
 
Sem uma renúncia papal durante toda a bem estruturada Era Moderna, que significado terá a demissão de Bento XVI no início da Pós-Modernidade? Sem dúvida a sociedade líquida é contra o Evangelho. E então? Esse fenômeno é conjuntural ou estrutural? É apenas o início da Pós-Modernidade? É válido e possível fazer um contraponto à atual pressa na vida humana? O nosso planeta resiste a tanta e tão rápida exploração? É capitalismo ou sustentabilidade?

As respostas ficam para o futuro, para os próximos papados. Preparemo-nos e solicitemos auxílio da energia, para uns meramente virtual, do Ser chamado Bom Espírito.

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