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As Manifestações e a Cidade-Frankenstein

Ao contrário da cidade planejada de que precisamos, o que aconteceu nas metrópoles brasileiras, no Recife em particular, foi a construção desse monstro que hoje nos assombra.
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Publicado em Sat Jun 29 18:31:00 UTC 2013 - Edição 769
Logo depois de formado, em meados da década de 1980, iniciei uma pós-graduação em Habitação e Cidades Democráticas na Architectural Association, em Londres. Logo nas primeiras aulas, um fato me surpreendeu profundamente: a leitura de uma dissertação de mestrado sobre a construção da mais bela mulher de todos os tempos. Rigorosamente criteriosa, a dissertação dividia o corpo feminino em inúmeras partes e as seguia costurando, uma a uma, em busca da imagem da mulher perfeita. Os olhos da italiana Sophia Loren, a cor da íris da americana Elizabeth Taylor, os lábios da francesa Brigitte Bardot e assim sucessivamente, até saltar, da última página do bem escrito texto, para susto do leitor, um Frankenstein horrendo.
 
Lembro-me dessa experiência agora, quando multidões vão às ruas no Brasil exigindo melhor transporte, educação, saúde, segurança, em suma, serviços urbanos de qualidade, além de respeito aos anseios e direitos da cidadania.
 
Para mim está mais do que claro que, na base dessas justíssimas reivindicações, está a péssima qualidade urbanística das cidades que temos visto serem construídas no Brasil há décadas, na completa ausência de um planejamento urbano capaz de compor um projeto de cidade democrática, inclusiva, integradora, construída por partes concatenadas em curto, médio e longo prazo.
 
Ao contrário da cidade planejada de que precisamos, o que aconteceu nas metrópoles brasileiras, no Recife em particular, foi a construção desse monstro que hoje nos assombra. Com cada um procurando fazer “o seu melhor” do “lote para dentro”, terminou-se construindo uma cidade-Frankenstein, do “lote para fora”, que descontenta a todos.
 
Precisamos urgentemente reaprender, no Brasil, que as cidades são, por excelência, o chão dos confrontos e conflitos, das oportunidades e do exercício permanente da conciliação das forças sociais e econômicas. Para isso, não podem deixar de ser mediadas pela lógica irrecorrível dos sistemas espaciais urbanísticos, infraestruturais, ambientais e ocupacionais, que dão suporte estratégico contínuo ao desenvolvimento do organismo vivo que é a cidade. Na ausência deles, se dá o caos que vivemos hoje.
 
Depois de anos debatendo essas questões em diferentes palestras, seminários, aulas, projetos públicos e privados, no Brasil e no exterior, concluímos, racionalmente, que cidade-Frankenstein não deveria interessar a ninguém. A nenhum cidadão, político, profissional, empreendedor de grande e pequeno porte. A nenhuma geração comprometida com legado às jovens e futuras gerações. Todos podemos ganhar muito e muito mais com um projeto consistente de cidade brasileira que nos permita aproximarmos de cidades mágicas e planejadas, como são Paris, Veneza, Barcelona, Amsterdã. Fora disso, só nos resta o monstro que estamos vendo nas ruas...

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